quinta-feira, maio 13, 2010

De Vlados, liberdade e sonhos de paz



De Vlados, Alexandres e sonhos de Paz...

São Paulo, 23 de outubro de 2005. No mesmo dia em que milhões de brasileiros lançavam seu olhar sobre uma urna eletrônica para decidir sim ou não ao comércio de armas de fogo, na Catedral da Sé, um grupo de pessoas privilegiadas participou do culto ecumênico em alusão aos 30 anos de “vida eterna” de Vlado Herzog, um dos tantos buscadores da paz torturados e mortos pela ditadura militar. Seguramente uma experiência única em suas vidas.
Dom Paulo iniciou às 16 horas o ato que contou com a participação de representantes de 20 diferentes religiões. É difícil ilustrar, em palavras, o que se viu e ouviu naquela tarde. Dar ao texto escrito o colorido real das emoções que foram ali partilhadas é tarefa impossível.
Dom Paulo Evaristo Arns iniciou um ato inter religioso, fazendo referência a seu texto dito há 30 anos, na primeira missa ecumênica do Brasil, no dia 31 de outubro . Seguiram-se representantes das igrejas Luterana, Metodista e Anglicana, das ordens do Sufismo e Sunita, do Islamismo, do Budismo da China, do Tibet e do Japão, do Hinduísmo, do Candomblé e da Umbanda, do Espiritismo e Espiritualistas, da Fé Bahá’í, do Tambor de Mina, do Xamanismo e do Brahma Kumaris. Cada um em seu idioma, com seu rito especial, cantava à Paz, à união dos homens, ao direito à vida, ao respeito, à liberdade, à não violência, ao direito de ver Deus com seus próprios olhos (100% dos presentes salientaram a existência de UM ÚNICO Deus, sob diversos nomes).
O Coral Mundial, composto de mil vozes, sob o comando emocionado do maestro Martinho Lutero (um capricho do destino?) iluminou a Sé enquanto falava aos ouvidos de Deus, que sem sombra de dúvidas sentou-se para assistir... e sorriu... esperançoso de nós.
Como último representante religioso a falar, o Rabino Henry Sobel trouxe novamente o calor às faces dos presentes – num clamor dirigido não somente às autoridades, mas também a cada um dos indivíduos ali presentes ele repetiu suas palavras ditas há 30 anos: “Se queremos render tributo à memória de Vlado, temos que preservar dentro de nós o sentimento de indignação e inconformismo, jamais nos acomodando à violação dos direitos alheios. O silêncio é o mais grave dos pecados. A indiferença em face do mal é um incentivo ao recrudescimento do mal. Se fechamos os olhos, se viramos a cabeça, se fingimos não saber, tornamo-nos cúmplices. Digamos "não" à tortura. Alto e bom som, digamos "não" à violência institucionalizada. E, inspirados pelo legado de Vladimir Herzog, digamos "sim" à dignidade humana.”
Depois, o Rabino tomou Dom Paulo pelas mãos e, em frente a centenas de espectadores (além do próprio Deus), entoou um canto em hebraico - um canto judaico na catedral católica de São Paulo. Comovido, o líder mulçumano levantou-se, tomou a outra mão do Rabino, fechou os olhos e sorriu... Em seqüência, todos os outros líderes se levantaram, seguram-se às mãos uns dos outros, de forma que se viu ali a possibilidade de o homem reconhecer-se Homem - Irmão, Amigo, todos filhos do mesmo Pai, todos sedentos de Amor e de Paz. Em seguida, encerrando o evento, o Coral Mundial emendou sua voz à do Rabino e acompanhou o povo, em lágrimas, às portas da catedral, sob a canção de São Francisco de Assis.

“Vlado não foi a única vítima do establishment naquela época. Nos anos da ditadura militar no Brasil, centenas de opositores do regime foram espancados em repartições públicas. Muitos foram mortos. A tortura era o meio preferencial utilizado pela polícia para buscar informações sobre outros militantes. Com a redemocratização do País, teve-se a impressão de que a tortura acabara. Infelizmente, era uma impressão falsa. A tortura, um crime inafiançável de acordo com a Constituição Brasileira, continua a ser praticada pelos agentes do estado, aviltando toda a polícia. O espancamento, o choque elétrico, o pau-de-arara são técnicas usadas rotineiramente. Nesta nossa civilização que se julga tão avançada, ainda é corriqueira a tortura de presos, a pretexto de puni-los pelos crimes que cometeram ou para extrair confissões de crimes que não cometeram. A tortura precisa ser abolida. O que falta é a determinação da sociedade de não admitir que a tortura seja praticada no País. Não basta alguns defensores dos direitos humanos tentarem pressionar o Governo para que proíba efetivamente a tortura. Tal pressão tem que vir da sociedade como um todo. Em última análise, os cidadãos da nação têm que responder pelos atos — e pela falta de atos — do seu Governo.” Rabino Henry Sobel

"Balada para alguém distante"
12/02/69

Por que alguém, mais dia menos dia,
Fica ausente?
Brincando com o coração da gente
Tirando a nossa alegria...
Por que alguém, mais dia menos dia,
Deixa tudo?
Deixando também um coração mudo
De tanta melancolia...
Por que alguém, mais dia menos dia,
Parte para um lugar distante?
Causando uma dor talhante,
Que ninguém mais avalia..."

"Minha presença
A dor que te devora
Muitos a tem agora.
Reage!
Luta contra ela,
Pois senão te dilacera
E ainda mais vais sofrer,
Pois continuará a doer.
Estou aqui.
Aqui, bem junto a ti.
Posso não estar presente
Mas por mais que me ausente
Sempre estarei aqui.

Flávio Carvalho Molina, militante da ALN e MOLIPO , (morto sob tortura em 1971)
Descanse em paz!

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