domingo, novembro 27, 2011

UM PEDAÇO DE MIM


Sou incapaz de dizer do que sinto. A urgência da vida me consome e não me sinto apta a estipular prioridades, definir o certo, entender os mistérios escondidos atrás das opções muitas que brotam nas variadas estradas que surgem a cada dia.
Fiz uma escolha. Estou numa estrada rumo a um lugar desconhecido – no sentido mais pleno do termo “desconhecido”. Foi uma escolha entre as alternativas disponíveis. Não acredito em estradas sem retorno, mas quero crer que as escolhas que fazemos têm um propósito e que devemos seguir.  
Cansei da vida monótona, do esperar que um dia as coisas melhorem, que governos acordem para a justiça, que as religiões se unam – ou sumam definitivamente -, que os ricos se conscientizem, que os pobres de fortaleçam, que a polidez humana chegue, enfim, ao brilho que deveria ter.
Cansei de esperar.
Cansei de esperar pelas naves extra-terrestres, que viriam um dia nos resgatar e levar-nos a todos a uma dimensão em que tudo é maravilhosamente justo, perfeito e harmônico.
Cansei de esperar o dia 1º de cada novo ano para “a grande mudança”, a “grande virada”.
Cansei de esperar que conferências mundiais resolvam as questões da água, da camada de ozônio, das florestas, da gente que morre de fome, das crianças sem acesso à educação, dos pais sem acesso à dignidade humana.
Fiz então minha escolha.
Cansada de esperar, o meu ânimo passa a ser conduzido pela possibilidade de agir. Uma ação individual é, certamente, água em xícaras no enfrentamento de um grande incêndio. Mas, embora cansada, não abro mão da utopia – que não venham os extra-terrestres, que não retornem os avatares, que não chegue o dia do juízo – não importa, há entre nós muita gente que faz, muita gente cansada de esperar – hemos de conseguir apaziguar esse incêndio.
Tomei uma estrada.
Onde me levará não sei – quanta água poderei de fato carregar, não sei. Mas vou seguir.
Contudo, minha pequenez é imensa. E nessa pequenez, nessa infinita insignificância, tenho medos. São tantos os medos que, a todo o momento olho para trás. Tento ver a estrada de onde vim, num movimento instintivo que busca, talvez, a certeza do poder retornar... Não quero voltar, quero seguir. Mas sinto medo.
Nessa estrada que tomei, sei que não estou só. Posso sentir as muitas mãos que me suportam, mas receio pelas mãos que tenho de soltar – ainda que seja só fisicamente, ainda que seja por pouco tempo, ainda que seja um soltar carregado de linhas que fortalecem os laços, ainda que sinta essa necessidade urgente de levar minha xícara de água, ainda que acredite no movimento  -  esse soltar das mãos me mata um pouco por dia.
Penso que começo a perceber o sentido do doar. Doar é fortalecer, sem dúvida. Doar é um ato reflexivo, pois o que vem do doar para aquele que doa é algo infinitamente bom, em termos de alegria, satisfação e prazer. Porém, doar é dar de si. E dar de si, ao mesmo tempo em que representa agregar, representa partilhar, repartir, dividir...
Minha estrada se faz ampla. O incêndio está por todos os lados. Mas xícara de água que levo foi cheia por anos de convivência com gente muito especial, é uma água de nascente abençoada, bem cuidada e protegida com muito amor. E não levo toda a água de que disponho. Deixo naquelas mãos que por um pouco tempo solto, a parte maior da minha fonte – e rezo – rezo para que saibam disso, que possam sentir o quanto as amo e o quanto não queria soltá-las.
Porém, se não as solto, volto ao cansado esperar – e já não se pode mais esperar, já não há tempo para sonhar de olhos fechados. Assim, abro meus olhos, e realizo meus sonhos.
Minha estrada já não é tão longa, posso ver o retorno logo ali à frente. É um breve caminhar, talvez o medo me deixe, talvez não, mas vou manter na minha lembrança as mãos que soltei e, em laços mentais, as manterei junto das minhas, não poderei soltá-las completamente – não quero soltá-las - jamais. Já já eu volto, e trarei minha xícara cheia de outras águas que, quem sabe, poderão acalmar os incêndios de cá...
Aos monstros que me cercam, aos obstáculos que aparecerem em meu caminho, ainda que impregnada de dúvidas, enfrentarei com o claro sentimento de que em todas as opções oferecidas havia riscos e boas possibilidades – fiz uma opção não só por já não poder mais esperar, fiz uma opção porque a estrada por onde caminhava tripartiu-se. Não acredito em estradas certas ou erradas, e não tenho esperanças de ter tomado a menos tortuosa, só espero ter tomado a melhor estrada para este momento. (27/11/2011)

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